A microbiota intestinal é capaz de modificar o funcionamento do seu cérebro, ainda que este fique protegido em um ambiente privilegiado, sem bactérias.
Gostamos de pensar que somos indivíduos definidos por nosso genoma primata individual, que dá origem a um corpo personalizado pela história de vida de cada um. Este conceito, contudo, está mudando. Para a biologia moderna, você é o produto do seu genoma, sim – só que acrescido de mais tantos outros genomas de todas as bactérias e fungos que vivem em simbiose com você em seu corpo. E mais: quais bactérias você abriga em seu corpo podem inclusive influenciar a maneira como seu cérebro funciona.
O conceito de micróbios simbióticos já era nosso conhecido: vacas e outros animais ruminantes, por exemplo, obtêm energia suficiente comendo apenas folhas graças à presença de bactérias em seu estômago que digerem celulose, um carboidrato complexo que em nossos estômagos primatas entra e sai incólume, como “fibra alimentar”. Mas temos nossas próprias bactérias que ajudam na digestão de alguma forma: evidência disso é o desarranjo intestinal que resulta de tratamentos com antibióticos, que matam a bactéria indesejada da vez mas também várias outras pelo seu corpo afora.Isso sem falar nas micoses que também podem surgir durante esses tratamentos, quando fungos florescem na ausência das bactérias que os mantinham em xeque.
Recentemente, contudo, o conceito de micróbios “simbióticos” está mudando para “obrigatórios”. Pense na vaca: sem as bactérias que digerem celulose, vacas deixariam de ser vacas em poucos dias, mortas de inanição. Uma “vaca”, portanto, pode até ser definida por seu genoma – mas o indivíduo só existe se levar em seu estômago passageiros que lhe deem energia.
O mesmo, agora se sabe, vale para humanos. Já existem registros na literatura de pessoas à beira da morte por disfunção intestinal (o que compromete a absorção de nutrientes) mas que foram salvas por… transplantes fecais, que trouxeram com a, digamos, “massa doada”, as bactérias necessárias ao funcionamento correto do intestino.
E o que isso tem a ver com o cérebro? Por caminhos ainda não compreendidos, a sua microbiota intestinal é capaz de modificar o funcionamento do seu cérebro, ainda que este fique protegido em um ambiente privilegiado, sem bactérias. Talvez essa influência se dê por substâncias liberadas pelas bactérias, ou por outras, como serotonina, produzidas pelo seu próprio intestino em resposta às bactérias, que caem na corrente sanguínea e assim chegam ao cérebro.
E mais: pessoas diferentes tem microbiomas diferentes, ou seja, um conjunto próprio de espécies de fungos e bactérias vivendo em seu corpo – e em cada parte dele, pois cada mucosa tem sua “fauna” própria. A composição exata do seu microbioma depende em parte do que você come e em parte da casa onde vive (inclusive dos seus animais de companhia).
Mude seus hábitos alimentares e seu microbioma mudará também – e, quem sabe, até características do seu cérebro.
Um estudo recente descobriu que a severidade de problemas de comportamento como obsessividade e ansiedade observados em camundongos semelhantes a humanos autistas pode ser aliviada com uma mudança nas bactérias que habitam seu intestino. Não curada, note bem; o autismo continua sendo um distúrbio estrutural e funcional do cérebro. Mas sua severidade, ao que parece, pode estar relacionada ao menos em parte com a dieta, que modifica seu microbioma, que por sua vez influencia o funcionamento do seu cérebro.
Você, quem diria, é o seu corpo – mais as suas bactérias…
Por Suzana Herculano-Houzel
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/voce_e_seu_microbioma.html